sexta-feira, 12 de julho de 2013



Alto, dentro e baixo.


As perguntas futuristas
Meu nome é Tomas , tenho 8 anos e meio. Minha  mãe  me deu esse nome por causa de um filósofo que inventou a tal da utopia.  Adultos e criancas sempre me perguntam o que quero ser quando crescer.
 - Quero ser alto. - Respondo.
Ninguem vê muita graca nessa resposta. Perguntam:
 - Só isso?
 E dizem coisas como:
- Oras, mas isso é obvio, todas as crianças serão mais altas um dia. Todos os adultos são altos.
- Não é verdade! - Eu retruco.
Acho que ninguem me entende.  Mas eu nem sempre quis ser alto, essa minha obsessão começou a uns 6 meses atraz quando fui na casa de minha avó em Jundiaí, que fica no interior de São Paulo.

Prima de 2º grau
Era aniversário de 23 anos da minha prima de 2º grau. Eu até então nem sabia que as primas tinham graus.
A festa estava cheia de velhos e adultos, nem parecia aniversário de criança.  Como sempre começou aquela amolação toda, aperta bochecha pra cá, faz pergunta pra lá, e como não poderia faltar, a famosa pergunta "O que você quer ser quando crescer?!" Respondi que pensava em ser tradutor de aves ou piloto de nave espacial. Os adultos começaram a rir e caçoar de mim. Então corri para bem longe daquela gente e fiquei deitado embaixo de um pé de jaboticaba, comendo, ruminando... Ao longe uma mulher percebeu minha presença e veio até mim.
- No que você está pensando baixinho? Aqueles chatos aborreceram você?
Ela não era exatamente mulher, estava na metade do caminho entre uma adulta e uma menina. Acho que por isso gostei dela, ainda não havia se transformado numa questionadora compulsiva sobre o meu futuro.
- Meu nome é Doralice. Pode me chamar de Dora.
Contei a ela minhas frustrações e ela me explicou coisas importantíssimas!
- Os adultos são diferentes das criancas porque são mais altos e o céu fica muito perto da cabeça. Isso faz com que eles sonhem com coisas fáceis de alcançar. Claro que nem sempre é assim,  mas nada comparados às crianças. Como são baixinhas e o céu fica longe da cabeça elas sonham com muitas coisas distantes, e para os adultos, por causa do tamanho das crianças,  parece impossível que elas consigam alcançar.
- Então quer dizer que meus sonhos são impossíveis de alcançar?  - Indaguei espantado e um tanto decepcionado.
- Não, nada é inalcançável, os adultos é que se esquecem que um dia as crianças crescem.
Eu achei Dora fantástica. Primas de 2º grau são muito melhores do que as de 1º, aposto que é por isso que estão classificadas um grau acima.

O plano
Bom, desde este dia resolvi ser alto. Mas não alto normal como todos os adultos, eu queria ser muuuuito mais alto, para alcançar os sonhos que ficam mais em cima.
Eu fazia de tudo: comia 2 vezes o necessário, porque meu tio disse que comer faz a gente crescer, eu passava horas me esticando na cama, com as mãos segurando a cabeceira. Eu me estirava até os pés quase conseguirem tocar a outra ponta.  Também passava pouco tempo no banho para não ficar enrrugado. Mas ainda não estava vendo resultado. Eu gostava muito de ir com meu pai ao trabalho. Não sei se já contei mas eu moro em São Paulo, onde têm uns arranhacéis imensos e meu pai trabalha em um prédio desses, no 17º andar. Lá me sinto mais perto dos meus objetivos.

O escritor rastejante
No fim da  primavera, eu ganhei de presente da minha professora um livro chamado Memórias Inventadas de Manoel de Barros. Nele havia muitos contos, especialmente sobre insetos e outros bichos pequenos. O tal do Manuel, que escreveu o livro, adorava tudo que era pequeno e rastejante, dizia que esses animais tinham o privilégio de ouvir as fontes da terra e que o rio Amazonas ficava a margem de uma rã! Eu sempre achei que as coisas e bixos é que estavam à margem dos rios, mas esse escritor pensava coisas estranhas. Mas o chocante mesmo foi quando eu li que o inseto é maior que o céu porque tem mais letras!! Nesse momento o mundo virou de ponta cabeça , girou girou e não chegou a lugar nenhum.
Como assim pequeno é maior? Passei o café da manhã mais agonizante de toda a minha vida. Meus pais me mandaram ir para a escola mas eu me recusei:
- Não posso! Estou numa crise existêncial!
- Crise existêncial? - Repetiu minha mãe como um eco.
Resultado, não fui para a escola.
Mais tarde minha mãe veio me perguntar que papo era esse de crise existêncial mas eu não consegui contar a ela, precisava resolver este conflito sozinho.
Inseto é maior, hunf! Esse tal de Manoel de Barros é um louco!

Os seres baixos
Na semana seguinte mediram a gente na escola. Eu estava 2 cm mais alto que no ano passado, mas a essa altura já não me importava, não sabia mais se queria ser grande ou pequeno. A aula de ciências daquele dia falava sobre as abelhas e como elas eram importantes para todo o planeta e que se elas morressem tudo estaria acabado. Falou também sobre as formigas que carregam 20 vezes o seu próprio peso. Comecei a pensar que o inseto até que não era tão mau, principalmente os que voam, porque podem ir lá em cima nas nuvens pegar os melhores sonhos. Mas entre ser alto e ter asas eu considerava muito mais razoável a primeira opção, não sou um menino tão absurdo assim.
Depois cheguei a um pensamento ainda mais complexo: Ok. Pode haver sonhos legais lá em cima que não conseguimos ver daqui, mas, afinal, o que é que existe abaixo da terra? Só as minhocas e outros seres pequenos poderiam saber disso.
E se os melhores sonhos estiverem lá em baixo? Comecei a pensar se não era isso que o autor daquele livro que me tirou o sossêgo quis dizer.
Lembrei da Prima Doralice, resolvi ir visitá-la, ela era a única que poderia me ajudar a resolver essa questão.

A notícia
No fim de semana chamei minha mãe e a pedi para vermos a prima Dora. A cara dela logo mudou, ficou seria, e me deu a assombrosa notícia. Lembram quando eu disse que o mundo virou de ponta cabeça , girou girou e não foi a lugar nenhum? Bom, agora parecia que de tanto girar ele criou um buraco negro que o sugou inteiro:
- A prima Doralice não está mais entre nós.
- E onde ela está? Quando ela volta? - Perguntei.
- Ela sofreu um acidente e morreu meu filho. Desculpe não ter te contado. Nunca mais poderemos vê-la, ela não vai voltar.
- Mas onde é que ela está?!
- No céu meu anjo.
- No céu?! - Espantado.
Fiquei muito feliz aquela noite pela prima Doralice. Ela deveria estar vendo coisas incríveis por lá. Depois fiquei com raiva por ela não ter me levado, nem se quer convidado para ir. Mas depois aos poucos uma tristeza muito grande foi entrando em mim. Minha mãe disse que ela nunca vai voltar. Naquela noite eu dormi na cama com meus pais. Chorei muito.

As estrelas
Os dias e semanas e meses foram passando e a vida estava quase de volta ao normal. Outro dia lembrei da prima Dora e pedi de Natal para minha mãe um telescópio. Nas férias, eu não saia mais do quarto. Passava o dia tentando achá-la no céu com meu novo instrumento científico. Nunca achei nada. Mais tarde li o Pequeno Principe, entendi muitas coisas e sorri para a noite.

O inalcançável
Ouvi meu pai reclamar do escritório, do chefe, do emprego, parecia realmente infeliz. Dizia ao tio Artur que lamentava nunca ter seguido seu sonho.
Mas... que tal sonho era esse que ele não conseguiu alcançar trabalhando naquele prédio enorme? Quando o meu tio foi embora fui perguntar a ele:
- Pai, qual é o sonho que o senhor não conseguiu pegar?
Ele me sorriu, me colocou em seu colo e respondeu:
- Eu queria ser músico.
- Mas... isso nem me parece nada absurdo, ou extremamente difícil... você nunca conseguiu achar esse sonho? Ou você achou e não alcançou pegar? Você sabe onde ele está agora? Eu posso te ajudar a buscar se quiser, você me levanta e eu o trago pra você!  - Ele fazia cara de quem não entendia bulhufas do que eu estava falando e eu tinha ainda mais dúvidas do que ele.
- Não sei de que tipo de sonho você está falando. Eu sei onde está o meu sonho.
- Ah sabe?! - Empolgado.
- Sei. Está dentro de mim. O problema é que eu nunca consegui colocar ele pra fora.

Aaaah pronto!
 Agora deu! Quando a gente pensa que não pode confundir mais, vem a vida com uma história dessas. Quer dizer que agora o sonho está dentro de nós?!!  Dessa vez o mundo explodiu junto com a minha cabeça e passei a tarde olhando pro meu próprio umbigo para ver se tinha alguma coisa por la. Acabei dormindo e sonhando com um bando de insetos e núvens dentro da minha barriga.

O esquisito

Passei a manhã inteira pensando.... pensando... até que tive a ideia.
- EUREKA! - gritei.
Sai correndo pela sala e pulei no sofá em cima do meu pai, eufórico, e comecei a sacudí-lo.
- Pai! vomita pai, vomita!!!
- Filho você endoideceu? O que está acontecendo com você menino?
- Vai pai, vomita!!!
Sei lá porquê meu pai ficou todo estranho depois disso. Foi perguntar a minha mãe coisas sobre mim e ficaram comentando sobre o quanto EU andava estranho.
Eu não diria que me sentia estranho, me sentia... investigativo. Estranho mesmo foi como eu me senti no primeiro dia de volta as aulas.

A segunda crise
Cheguei na escola as 7 horas, como de costume. Revi meus amigos, parecia um dia normal, mas não era. Quando entramos na sala a professora foi logo anunciando o que viria a ser a minha segunda crise existencial, como se já não bastasse a primeira.
- Bom dia turma! Como foram as férias? Esse ano nós temos uma novidade, a Gabriela. Ela é nova na escola e também na cidade ela veio de Olinda, no estado de Pernambuco e passará o ano estudando conosco.
Ual... como era... nossa!.. A Gabriela era... esquisita! Não, não era esquisita, era
diferente. A ponta do nariz dela parecia uma bolinha de gude, era muito mais moreninha do que todas as meninas da sala e, pensando bem, ela era...
- De onde você vem mesmo? - Perguntou Júlia uma colega de sala.
- De Olinda. - Respondeu a aluna nova.
Linda! Isso! Ela era linda. O cabelo dela parecia macarrão parafuso e tinha uns olhos tão brilhantes que eu achei que fosse ficar cego. E o mundo? O mundo girou, girou até que fiquei tonto. Gabriela, Gabriela, só conseguia pensar nela.

Um sentimento novo
Cheguei em casa com o sorriso mais bobo que alguém pode ter. Fiquei relembrando ela com saudade. Mas não era bem saudade, eu precisava de uma palavra nova para aquele sentimento. Minha mãe logo percebeu, mãe sabe de tudo mesmo! E me disse:
- Você está com um ar nostalgico!
Nostalgico, sim, eu estava nostalgico pela Gabriela. Na verdade me sentia meio bêbado, ou ao menos achava que parecia com os bêbados que vi num desenho. Fiquei pensando se a Gabriela não teria sonhos, ela era muito baixinha e a professora Tati disse que Olinda só tem casinhas coloridas. E casas também são baixinhas. Resolvi que eu, como homem, e mais alto, deveria conquistar o tal sonho para ela. Sim, naquele momento eu me sentia um homem. E muito mais alto e mais forte do que na semana passada. Mas tinha um problema. Eu não fazia ideia do que ela sonhava. Precisava descobrir, precisava perguntar a ela.

A resposta genial
Cheguei na escola determinado a descobrir os sonhos de uma pernambucana. Pedi para a Júlia que já era nossa amiga em comum para avisar que eu queria falar com ela. Júlia foi, Gabriela veio, eu fiquei. Fiquei foi paralisado! Mudo. Parecia que minhas pernas tinham ido embora e me deixado na mão, sozinho com aquela menina, que era a mais bonita, mas que naquele momento parecia um dragão pronto para me devorar. Bom, ao menos era assim que eu me sentia. Finalmente ficamos um de frente para o outro.
- Me chamou? - Perguntou a linda de Olinda.
Eu não emitia som nem gesto. Só pensava: - Vai Tomas, pergunta, pergunta! Ela me olhava com aqueles grandes olhos brilhantes que não paravam de piscar com cílios enormes e tirar minha concentração.  - Diga alguma coisa, qualquer coisa! - pensava eu.
- Seu cabelo parece macarrão parafuso! - Vomitei essas palavras sem querer, até tentei tapar a boca quando percebi que estavam para pular pra fora mas não deu tempo. Pensei: - Já era, sou um boboca. - Mas ela era doce e sorriu dizendo:
- Obrigada, o seu parece espaguete.
Surpreendente! Não esperava por essa. Naquele momento eu senti que eramos iguais, não pareciamos nada um com o outro mas, sei lá, eu achei que eramos idênticos. Foi a conversa mais legal que eu já tive com alguém, mais legal até do que a conversa com a Doralice, mais genial que tudo, e só durou uma frase! E acabou assim. Não dissemos mais nada. E fomos brincar de pic-pega.

Iluminação
O ano foi passando, e depois passaram-se mais uns 2. Eu e Gabriela nos tornamos amigos. Ficavamos na sala de aula nos sorrindo com os olhos. Eu estava tão contente que já nem pensava naquele papo de sonhos. Acabei nunca perguntando qual era o sonho dela.
Um dia, ao ver uma flor na rua, no caminho para a escola, pensei nas coisas pequenas que vem da terra e levei a flor para Gabriela. Sentados na grama do pátio, tive coragem e lhe entreguei a flor. Gabriela brilhou!  Pareceu entrar em uma especie de mundo mágico, era como se ela tal qual a flor, se abrisse ali diante de mim. Foi um momento iluminado. Ela aproximou-se e de surpresa me deu um beijo! Foi quando eu tambem entrei no mesmo mundo mágico. Aquele instante, aqueles dois pequenos gestos, causavam em nós a maior das emoções. Eu me sentia nas nuvens. Não sabia qual o sonho dela, mas sabia que era o mesmo que o meu. E ficamos ali sonhando muito alto, longe e infinito, olhando para o céu, descobrindo formas de bichos nas núvens. Eu sentia as sensações do amor no meu corpo, nos olhos dela e principalmente no meu coração, que palpitava forte como um tambor chinês, como se fosse sair do peito. Foi ali que eu entendi tudo. Os sonhos de amor que vem de dentro, a grandeza das pequenas coisas que realizam sonhos e todas as possibilidades e planos de novos sonhos que há no céu. Eramos astronautas apaixonados com os pés descalços na terra, e eu finalmente traduzi o canto dos pássaros.